terça-feira, 7 de junho de 2011

Afinidade

Ontem, no ônibus, voltando pra casa depois do trabalho, fiquei obcecadamente vendo um velhusco ao meu lado.  Suas mãos enrugadas, seus cabelos brancos, e uma orelha gigante, me fizeram "viajar" na sua história.  É claro que o nível da minha loucura estava elevado o suficiente para que eu lhe perguntasse a idade.  Ele tinha 77 anos "muito bem vividos" e estava voltando de um encontro com a namorada que ele arrumou pelo computador!!!!! Foram tomar um chá na Confeitaria Colombo.


U-AU!!! Fiquei encantada com as historias do velhinho serelepe... daí eu comecei a me questionar sobre a amizade.  Onde estão os meus amigos? Será que eu tenho amigos de verdade?  Será que eu ainda tenho algum amigo? Um sentimento de abandono colossal tomou conta de mim.  


E ele, o velhusco de orelha grande me entregou um papel com o seguinte texto:


"A afinidade não é o mais brilhante, mas o mais sutil, delicado e penetrante dos sentimentos.   O mais independente. 

Não importa o tempo, a ausência, os adiamentos, as distâncias, as impossibilidades.  Quando há afinidade, qualquer reencontro retoma a relação, o diálogo, a conversa, o afeto, no exato ponto em que foi interrompido.  Afinidade é não haver tempo mediando a vida.

É uma vitória do adivinhado sobre o real.  Do subjetivo sobre o objetivo.  Do permanente sobre o passageiro.  Do básico sobre o superficial.  Ter afinidade é muito raro.

Mas quando existe não precisa de códigos verbais para se manifestar.
Existia antes do conhecimento, irradia durante e permanece depois que as pessoas deixaram de estar juntas.
O que você tem dificuldade de expressar a um não afim, sai simples e claro diante de alguém com quem você tem afinidade.

Afinidade é ficar longe pensando parecido a respeito dos mesmos fatos que impressionam, comovem ou mobilizam.  É ficar conversando sem trocar palavra.  É receber o que vem do outro com aceitação anterior ao entendimento.

Afinidade é sentir com.
Nem sentir contra, nem sentir para, nem sentir por, nem sentir pelo.
Quanta gente ama loucamente, mas sente contra o ser amado.
Quantos amam e sentem para o ser amado, não para eles próprios.

Sentir com, é não ter necessidade de explicar o que está sentindo.  É olhar e perceber.  É mais calar do que falar.  Ou quando é falar, jamais explicar, apenas afirmar.

Afinidade é jamais sentir por.
Quem sente por, confunde afinidade com masoquismo.
Mas quem sente com, avalia sem se contaminar.  Compreende sem ocupar o lugar do outro.  Aceita para poder questionar.
Quem não tem afinidade, questiona por não aceitar.

Só entra em relação rica e saudável com o outro,  quem aceita para poder questionar.
Não sei se sou claro: quem aceita para poder questionar, não nega ao outro a possibilidade de ser o que é, como é, da maneira que é.  E, aceitando-o, aí sim, pode questionar, até duramente, se for o caso.  Isso é afinidade.

Mas o habitual é vermos alguém questionar porque não aceita o outro como ele é. Por isso, aliás, questiona.
Questionamento de afins, eis a (in)fluência.
Questionamento de não afins, eis a guerra.

A afinidade não precisa do amor.  
Pode existir com ou sem ele.  Independente dele. A quilômetros de distância.
Na maneira de falar, de escrever, de andar, de respirar.
Há afinidade por pessoas a quem apenas vemos passar, por vizinhos com quem nunca falamos e de quem nada sabemos.
Há afinidade com pessoas de outros continentes a quem nunca vemos, veremos ou falaremos.

Quem pode afirmar que, durante o sono, fluidos nossos não saem para buscar sintomas com pessoas distantes, com amigos a quem não vemos, com amores latentes, com irmãos do não vivido?

A afinidade é singular, discreta e independente, porque não precisa do tempo para existir.
Vinte anos sem ver aquela pessoa com quem se estabeleceu o vínculo da afinidade!
No dia em que a vir de novo, você vai prosseguir a relação exatamente do ponto em que parou.
Afinidade é a adivinhação de essências não conhecidas nem pelas pessoas que as tem.

Por prescindir do tempo e ser a ele superior, a afinidade vence a morte, porque cada um de nós traz afinidades ancestrais com a experiência da espécie no inconsciente.  Ela se prolonga nas células dos que nascem de nós, para encontrar sintonias futuras nas quais estaremos presentes.

Sensível é a afinidade.
É exigente, apenas de que as pessoas evoluam parecido.
Que a erosão, amadurecimento ou aperfeiçoamento sejam do mesmo grau, porque o que define a afinidade é a sua existência também depois.

Aquele ou aquela de quem você foi tão amigo ou amado, e anos depois encontra com saudade ou alegria, mas percebe que não vai conseguir restituir o clima afetivo de antes, é alguém com quem a afinidade foi temporária.  E afinidade real não é temporária. É supratemporal.

Nada mais doloroso que contemplar afinidade morta, ou a ilusão de que as vivências daquela época eram afinidade.  A pessoa mudou, transformou-se por outros meios.  A vida passou por ela e fez tempestades, chuvas, plantios de resultado diverso.

Afinidade é ter perdas semelhantes e iguais esperanças, é conversar no silêncio, tanto das possibilidades exercidas, quantos das impossibilidades vividas.

Afinidade é retomar a relação do ponto em que parou, sem lamentar o tempo da separação.
Porque tempo e separação nunca existiram.  Foram apenas a oportunidade dada (tirada) pela vida, para que a maturação comum pudesse se dar.
E para que cada pessoa pudesse e possa ser, cada vez mais, a expressão do outro sob a forma ampliada e refletida do eu individual aprimorado."  - Arthur da Távola -


Conclusão:  Chorei baldes!

5 comentários:

AliceGap disse...

Que nada! Velhinhos (as) adoram atenção, são sempre eles que puxam assunto com a caixa do mercado. Mas as vezes aparecem uns especiais. Eu devo ter cara de alma perdida porque sempre falam comigo... mendigos também. 2ªf no centro do Rio um mendigo me também me fêz chorar com o que disse... ai ai... pior é ouvir marido me sacanear por ter sido consolada por mendigo... acho que sobrevivo...

mjosie disse...

Afinidade, acima de tudo, é conhecimento. Desconheço a afinidade que pensei conhecer. Será que um dia ela realmente existiu??? As pessoas são caixinhas de surpresa. As vezes boas, as vezes ruins!!! Oh, céus, pena que tomaram o último Valium !!!

Diana Carla disse...

Por isso que afinidade é um sentimento raro entre as pessoas.Muitas vezes estamos mais preocupados com nós mesmo!

bjinhus

Roderick Verden disse...

Gostei em especial desses dois parágrafos:

Aquele ou aquela de quem você foi tão amigo ou amado, e anos depois encontra com saudade ou alegria, mas percebe que não vai conseguir restituir o clima afetivo de antes, é alguém com quem a afinidade foi temporária. E afinidade real não é temporária. É supratemporal.

Nada mais doloroso que contemplar afinidade morta, ou a ilusão de que as vivências daquela época eram afinidade. A pessoa mudou, transformou-se por outros meios. A vida passou por ela e fez tempestades, chuvas, plantios de resultado diverso.

Sobre amizade, acho q é coisa rara.

Essa filósofa Mjosie... rs

Flávia Tunes disse...

Puxa, você sabia que eu viria conhecer seu blog e resolveu escrever um post pra mim. É isso?:)
Meu pai era um velhinho serelepe, de cabelos brancos e orelhas enoooormes!
Não arranjou namorada para levar à Confeitaria Colombo... mas também...né, morava em Minas Gerais e aqui não tem - confeitaria, porque namoradas, tem a beça.
Pois é, agora vou ter que delirar mais amiúde. Questão de afinidade, sabe?